HISTÓRIAS DE UM TATUADOR

HISTÓRIAS DE UM TATUADOR

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Dalila “The Queen” e seu Fã do Conan

Num belo dia, estava eu em meu estúdio quando uma amiga me telefonou dizendo que um casal de amigos dela estava interessado em fazer tatuagens. Após alguns minutos de conversa, combinamos que o tal casal viria até meu estúdio naquele dia mesmo, as 20:30h, logo que eu voltasse após minha academia (naquele tempo, eu malhava, por incrível que pareça)...
O dia passou, fui para a academia e, quando voltei, fiquei aguardando a chegada do casal, conforme eu havia combinado com minha amiga. Eu não fazia idéia de como era o tal casal, afinal, eu não os conhecia. Mas isso não importava muito, pelo menos por enquanto...
Só para variar, o tal casal se atrasou por quase uma hora. Por volta das 21:30h, eis que tocam a minha campainha. Olhei pela câmera de circuito interno que me dá a visão de quem está no portão e vi o tal casal que, pelo visto, tinha vindo de moto. Até aí, tudo normal.
Abri o portão e os dois entraram. A mulher era loira (“tingida” é claro), baixa, aparentava ter seus vinte e cinco anos e tinha o sotaque característico de alguém do nordeste. Ela usava uma camiseta azul e um macacão bege. Só não reparei muito no sapato. O homem era muito esquisito. Era meio careca, bem branco e com os cabelos tão pretos que dava para perceber nitidamente que também eram tingidos. Ele usava uma calça “semi-baggy” manchada, uma camiseta branca e uma jaqueta azul-claro que parecia ser feita de plástico-bolha!
A garota era quem falava tudo. Parecia que o cara era mudo ou, quando ele ia dizer algo, a menina se antecipava e dizia na frente dele. Era o rapaz quem ia fazer a tatuagem, mas, foi ela quem explicou qual seria o desenho que ele queria.
Ela tinha um desenho de uma “guerreira sentada, segurando um machado” tatuado no final das costas, perto da bunda. Era este mesmo desenho que o rapaz queria tatuar em seu braço. Perguntei se eles tinham o desenho original, mas eles não tinham. Falei então que eu teria que copiar a “guerreira” das costas da garota para depois fazer o decalque que seria colocado no rapaz.
Ajeitei a maca de uma maneira que a garota pudesse se sentar, para que eu copiasse o desenho. Peguei uma folha de papel, um lápis e uma borracha e, quando olhei para a mulher, ela estava completamente nua na minha frente! Estava só de meias! A essas alturas, o homem estava sentado na minha esquerda quieto, apenas com um sorrisinho no rosto.
Eu não entendia nada! Não havia necessidade alguma da mulher ter ficado nua para que eu copiasse o desenho! Comecei a imaginar um monte de bobagens: Será que ela queria dar? Será que o cara era gay e também ia querer dar? Será que eu ia ter que socar o cara? Será que eles eram namorados? Será que eles eram namorados e o cara queria me ver comendo a mulher dele? Eu não sabia mais o que pensar... Cheguei a perguntar a ela se ela queria mesmo ficar sem roupa e ela respondeu que não havia problemas. Pedi para que ela se sentasse de costas para mim na maca, respirei fundo e comecei a copiar o desenho...
Até que a garota não tinha um corpo tão feio, mas eu estava tão confuso com a situação que só pensava em copiar o desenho e me livrar daquela loucura o mais rápido possível.
Alguns minutos depois terminei de fazer um rascunho da tal “guerreira”. A mulher se levantou, pegou sua roupa que estava no chão e foi para a sala. Fui para minha mesa de desenho e comecei a melhorar a “guerreira”. Neste momento, o rapaz se levantou e veio até mim, se agachando ao meu lado. Finalmente o cara falou! Ele tinha um sotaque muito estranho e não dava nem para distinguir de onde era. Ele tirou sua jaqueta de “plástico-bolha” e me mostrou suas tatuagens: no antebraço esquerdo ele tinha um “Thor” (aquele herói do desenho animado), apenas contornado, e, no anti-braço direito, ele tinha um borrão preto com dois olhos no meio, que ele dizia ser um retrato do Conan, o Bárbaro! As duas tatuagens estavam muito mal feitas e confesso que tive que olhar várias vezes para entender do que se tratava.
Daí em diante o cara começou a me fazer vária perguntas. Além daquelas que já estou cansado de responder, o cara me perguntou se eu gostava de música eletrônica. Respondi que sim e, nesse momento, o cara gritou, virando para a sala:
“—Amor! Não podemos esquecer de deixar um CD de presente para o Gean!”
Eu não entendia mais nada e só pensava em fazer a tatuagem. O rapaz pediu então para que eu mudasse o desenho, trocando o “machado” por uma “guitarra”... Alterei o desenho, fiz o decalque e me preparei para iniciar a tatuagem. O cara não parava mais de falar: disse que era empresário, disse que morava no Morumbi, disse que a garota era sua namorada e até disse que aquela “guerreira” da tatuagem era a foto da sua namorada que estava lá na sala!
Minha cabeça já doía de tanta loucura que eu escutava quando a campainha tocou. Era um amigo meu. Abri o portão, meu amigo entrou e ficou na sala de tatuagens sentado ao meu lado, entendendo menos ainda do que eu o que estava acontecendo.
Finalmente comecei a tatuar. Alguns minutos depois, o cara disse:
“—Fiz esta tatuagem do Conan no antebraço porque sou muito fã do Conan! Gosto destas coisas que são relacionadas a bárbaros, mas em especial o Conan! Amo o Conan! O Conan é foda! Fiz a “tattoo” do Conan por que todos os dias quando acordo, olho para o Conan e digo: o Conan é foda! Quando acho que não vou conseguir realizar algo em minha vida, olho para o Conan em meu braço e penso que o Conan consegue tudo, então eu também devo conseguir! O Conan é o cara! O Conan é tudo! O Conan é foda!”
Olhei para meu amigo e não resistimos: caímos nas gargalhadas!
Continuei tatuando e ouvindo as histórias sobre o Conan. Meu amigo foi embora algum tempo depois e voltei a ficar sozinho com o casal. De repente, escutei um barulho estranho vindo da sala. Não dei muita importância, mas, logo depois, outra vez ouvi o barulho vindo da sala. Levantei e fui olhar o que se tratava. Quando cheguei na sala, dei de cara com a namorada do cara deitada no meu sofá, dormindo, abraçada numa almofada, pelada e peidando! Os sons que eu ouvia enquanto estava tatuando eram os peidos da mulher pelada dormindo no meu sofá! O rapaz apenas deu um sorrisinho...
A maluquice já era tão grande que resolvi não ligar mais! Voltei e continuei a tatuar, enquanto o cara não parava de falar sobre o Conan e a mulher peidava pelada lá na sala!
O tempo passou. Já era quase meia-noite e, subitamente, eis que surge, entrando na sala de tatuagens, a garota ainda pelada, de meias, abraçada na almofada e com a maior cara de sono! Ela perguntou sobre a tatuagem e voltou para a sala. Neste instante ela gritou:
“—Amor! Amor! Você viu o quadro que o Gean tem aqui na sala! É a Sonja!”
Neste momento pensei: que “raios” é a Sonja?
Para quem não conhece meu estúdio, tenho que dizer que na minha sala existem vários quadros com desenhos de um artista chamado Boris Vallejo e, num deles, existe uma guerreira enfrentando um minotauro. Foi neste quadro que a mulher disse que estava a tal da Sonja! O namorado levantou-se e foi olhar o quadro. Daquele momento em diante tive que agüentar uma discussão maluca dos dois sobre o quadro, dizendo se a tal guerreira era ou não a Sonja!
Mas quem é a Sonja?
Num dado momento da conversa, descobri que a Sonja seria a namorada do Conan! Pelo que sei, a namorada do Conan é outra pessoa, mas deixa pra lá... Eu só não queria me envolver mais ainda naquela loucura...
Algum tempo depois finalmente terminei a tatuagem!
A mulher ainda estava pelada andando pelo estúdio e a conversa sobre o Conan e a Sonja continuava. Enquanto a mulher preenchia o cheque, o cara disse:
“—Amor! Não podemos esquecer de deixar o CD para o Gean!”
Só para variar, eu não entendi nada. A garota me entregou o cheque e pegou um CD na bolsa. Abriu o CD e escreveu algo no encarte. O rapaz então disse:
“—Obrigado Gean! Adorei a tatuagem! Vamos deixar alguns “flyers” desta danceteria para que você e seus amigos possam ir até lá amanhã à noite, pois será o lançamento do CD “Dalila The Queen”! Estaremos lá e esperamos você!”
A garota colocou a roupa, os dois se despediram e foram embora. Fui olhar o CD que ganhei quando vi do que se tratava: realmente era um CD de músicas eletrônicas e a tal “Dalila The Queen” era a mulher pelada que havia acabado de sair do meu estúdio! No encarte havia os nomes das músicas, uma foto da garota vestida com roupas sensuais e uma foto do fã do Conan! Resolvi escutar o CD e descobri que nenhuma das músicas prestava! Os nomes das músicas eram muito esquisitos, alguns em inglês, outros em francês, alguns mencionando algo sadomasoquista, e até homenageando o atentado de 11 de Setembro e Ayrton Senna! A última faixa do CD traz uma faixa bônus para CD-room com o vídeo-clipe da música que homenageia o atentado às torres gêmeas, mostrando imagens do atentado! É o pior e mais engraçado vídeo-clipe que já vi em toda a minha vida!
O CD todo é uma porcaria e quase todas as músicas possuem a palavra “world” no nome. O CD é cheio de “world isso”, “world aquilo”! O vídeo-clipe então, nem se fala! E, para piorar, a tal Dalila autografou o CD e fez uma dedicatória com beijos e tudo mais!

Pelo menos descobri o nome do cara quando li o encarte do CD... Seu nome era Steinheuse André...
É lógico que não fui ao lançamento do CD e muito menos tive paciência para escuta-lo novamente. Se alguém tiver coragem e estômago para ouvir o CD, é só pedir... Eu empresto com todo gosto...
Tatuador tem que agüentar cada coisa...

Um comentário:

  1. Existem várias histórias divertidas para serem contadas pelo meu amor e eu já presenciei algumas delas!
    Essa é uma das que eu acho super engraçada!
    Leiam e cometem!
    Renata

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