HISTÓRIAS DE UM TATUADOR

HISTÓRIAS DE UM TATUADOR

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

De Dia é Maria... De Noite é João...

O preconceito é uma merda.

Com certeza, o preconceito é uma das piores coisas do ser humano.

Infelizmente, o Brasil é o país do preconceito, onde é muito mais fácil cuidar da vida alheia do que olhar para o próprio rabo. Já vi e ouvi muitas histórias sobre preconceito e, pela minha profissão, já senti na pele muitas vezes a discriminação. Quando comecei a me tatuar, há dezenove anos atrás, o preconceito era muito maior do que hoje em dia, mas, ainda estamos longe disso acabar... Infelizmente...

Como sei o que é ser discriminado, evito ao máximo ter quaisquer tipos de preconceitos... Muitas vezes fui julgado pela minha profissão, pelas minhas tatuagens, pelos meus piercings, sem nem mesmo ter a oportunidade de mostrar quem sou... Não podemos julgar um livro pela capa!

Definitivamente não sou um cara preconceituoso, mas, nesta ocasião...

Tenho que começar a contar este episódio desde o início, para que fique tudo bem claro...

Estava eu em meu estúdio quando o telefone tocou. Tratava-se de uma cliente antiga que há tempos não vinha fazer uma tatuagem. Conversamos por alguns minutos e acabamos marcando um horário para que, no dia seguinte, ela viesse fazer um novo trabalho.

No dia seguinte, na hora combinada, sem atraso, a garota chegou. Trouxe com ela uma amiga, a qual também estava interessada em fazer sua primeira tatuagem. Até aí, tudo normal...

Ambas escolheram seus desenhos e me pus a trabalhar. Passei a tarde tatuando as duas clientes que, ao término do trabalho, ficaram satisfeitíssimas com o resultado final. Agradeceram, pagaram e se foram. Mais um dia comum de trabalho... Até aí, tudo normal...

Uma semana depois...

O telefone tocou e logo atendi. Era uma garota interessada em marcar um horário para vir fazer sua tatuagem. Sua voz era rouca e usava muitas gírias em seu vocabulário... Dizia ela que havia visto um de meus trabalhos e gostou muito do que viu... Disse também que era irmã de uma das garotas que vieram na semana passada, e foram elas que acabaram indicando meu estúdio... Até aí, tudo normal...

A tal garota continuou a conversa:

“—Eu queria escrever um nome em japonês ou chinês... Sei lá! Queria que você já fosse preparando a tattoo aí pra eu fazer no próximo sábado... Pode ser?”.

Claro que respondi que não havia problemas... E não ache que escrevi incorretamente a frase acima, com a fala da garota... O caso é que ela falava assim mesmo!

Bastava agora marcarmos um horário e eu esquematizaria a escrita para que pudéssemos tatuá-la. Até aí, tudo normal... Mas só até aí...

Perguntei então qual nome seria tatuado, para que pudesse passá-lo para o idioma japonês. Ela respondeu:

“—Ah! O nome! É mesmo, cara! O nome... Bem... Ah... Sei... O nome... Não posso... Não dá... Só um minuto...”.

Para variar, comecei a não entender o que acontecia. Como ela queria que eu preparasse a tatuagem sem que me passasse o nome em questão? Aguardei por um tempo na linha quando a garota retornou:

“—Olha... Não posso te passar o nome agora... Te ligo daqui a cinco minutos e te digo... Agora não dá... Entende?” – cochichou, literalmente, a menina.

É claro que não entendi, mas esperei que ela retornasse a ligar.

Meia hora depois...

Atendi ao telefone e era novamente a garota. Ela continuava cochichando e eu continuava sem entender direito a situação:

“—Desculpe... Àquela hora meu vô tava aqui do meu lado pescoçando e não dava pra falar... Você sabe, né... Olha cara, o nome é ‘Samara Meu Amor’... Quero que a tattoo tenha uns quinze centímetros... Você pode me falar quantas letras você acha que são e quanto ficaria o preço?” – a garota falava mais baixo ainda do que da última vez e tive que prestar muita atenção no que ela dizia para que pudesse entender.

Expliquei então que não seria possível escrever “Samara meu amor”, por causa dos alfabetos japoneses que não nos permitiriam com facilidade escrever aquilo. Disse que seria mais fácil escrever somente o nome, onde usaríamos o katakana, e complementaríamos com o kanji que representa o “amor”.

Sem questionar, a garota topou rapidamente que fosse daquela forma.

Disse então a ela que seriam três letras mais o kanji... Passei o valor e marcamos o horário para o sábado... Fiquei tentando adivinhar quem seria a tal Samara: poderia ser a mãe, poderia ser uma filha... Certo?

Errado!

No dia seguinte...

O telefone tocou. Aqui no meu estúdio isso acontece muitas vezes ao dia, mas, isso não vem ao caso...

Atendi. Era a garota novamente. Cheguei a pensar que ela cancelaria o horário marcado para sábado, mas não era isso... Ela queria me pedir um favor:

“—Olha, cara... Preciso te pedir um favor... Amanhã, quando eu for aí fazer a tattoo, não diz de forma nenhuma o significado do que eu to escrevendo em mim! O filho da Samara cismou que quer ir comigo aí ele não pode saber o que significa a tattoo... Certo? Você sabe, né... Se o moleque perguntar diz que tudo significa ‘amor’... Certo? Valeu!”.

Não questionei, não entendi, mas já sabia o que fazer...

No dia seguinte, sábado...

Geralmente meus sábados são cheios de afazeres... Trabalho o dia inteiro... As pessoas reservam esse dia para virem conhecer o estúdio, escolher desenhos e, principalmente, fazerem suas tatuagens.

Trabalhei desde o primeiro horário. Começo a atender por volta das 10:00h e, quase sempre, só paro no fim do dia.

O horário das 14:00h estava reservado para a tal garota das letras japonesas. Meia hora antes a campainha tocou. Era a irmã da garota, a qual eu havia tatuado na semana passada... Lembra? Sentou-se e ficou esperando pela irmã que, por incrível que pareça, não chegou atrasada! Muito pelo contrário! Ela chegou com quinze minutos de antecedência!

Lembre-se que não sou preconceituoso. Estava na cara a opção sexual da menina! Acredito que essa opção não influi em nada do que vou contar agora. Será que só porque você tem uma opção sexual diferente você precisa ser esquisito? Será que a opção sexual precisa fazer com que uma pessoa se torne tão estranha (para não usar outra palavra)?

A garota era bem magra, cabelos mal tratados na altura dos ombros. Usava uma camiseta branca suja de terra e uma calça de agasalho. Trazia nas costas uma mochila e uma pipa! Isso mesmo! Uma pipa, ou papagaio, ou quadrado, ou maranhão, como queira! A rabiola estava enrolada na pipa e a garota a trazia enroscada em seu ombro...

Entrou e já foi logo me cumprimentando com um forte e firme aperto de mão:

“—E aí, truta? Beleza? Vim fazer a tattoo! Sei que to um pouco adiantada, mas ta limpo...” – disse a garota enquanto tentava esmagar minha mão.

Era praticamente um moleque de cabelos compridos. Começou a olhar os desenhos nos quadros da sala de recepção enquanto conversava com a irmã. Terminei de ajeitar as coisas para dar início ao trabalho quando me lembrei de perguntar onde seria feita a tatuagem. A garota sorriu e respondeu:

“—Há! Há! Há! Vou fazer aqui ó... Do lado do pau! Há! Há! Há! Dói muito aqui?” – falou passando a mão entre a virilha e a coxa esquerda.

Mas... Do lado do “pau”? Qual “pau”? Pelo que eu sabia, ela era mulher... Mas ela realmente era mulher! Será que “pau” seria um apelido carinhoso para a sua vagina? Respirei fundo e continuei o procedimento...

Terminei de arrumar as coisas e chamei a cliente. Ela já entrou na sala de tatuagem puxando a lateral da calça para baixo e dizendo:

“—E aí, cara... Vou ter que ficar pelada? Há! Há! Há! Tenho vergonha de mostrar a bunda e o pau! Só não tenho vergonha da minha mina!” – puxava cada vez mais a calça, revelando uma calcinha enorme na cor laranja.

Eu disse então que não seria necessário que ela ficasse pelada. Bastava que se deitasse e descesse a calça. Entreguei-lhe uma toalha para que cobrisse as partes íntimas, mas, antes de deitar na maca, a garota já foi logo arregaçando a calça...

Foi uma das visões mais aterrorizantes da minha vida.

Eu nunca na minha vida havia visto uma vagina tão peluda! Parecia uma moita... Um bicho... Uma peruca... Sei lá! Os pêlos iam de ponta a ponta na virilha e preenchiam completamente o púbis, subindo pelo abdômen e alcançando o umbigo!

A garota se deitou e eu me afastei. A impressão que eu tinha era de que a qualquer momento um bicho sairia daquela moita e pularia em cima de mim! O tufo era tão grande que parecia ter mais cabelos ali do que na minha cabeça!

E já que o assunto é pêlos...

Com a retirada da calça, pude ver as pernas finas da garota... Lembraram-me as pernas de um urso... Tinham mais pêlos do que as minhas! Acho que ela tinha alguma espécie de tara por pêlos...

A garota, já deitada, cobriu-se com a toalha deixando à mostra apenas o local onde seria feita a tatuagem. Depilei o local... E como depilei! Neste momento, a garota acomodou-se colocando uma das mãos por baixo da própria cabeça, deixando aparecer os vastos cabelos em sua axila... Por um momento cheguei a pensar que ela poderia estar se transformando num lobisomem ou coisa parecida, mas, não havia Lua, era dia, e ela simplesmente era uma garota extremamente peluda! Antes de continuar a contar essa história, não posso deixar de salientar o buço... Você já pode imaginar como era o buço da menina...

Em meio àquela imensidão de pêlos comecei, finalmente, a tatuar...

Fiquei calado imaginando um porque para aquela falta de barbeadores, depilações, ceras quentes, enfim, algo que justificasse aquele cultivo de pêlos... Já vi e conheço muitas outras lésbicas e nenhuma delas são daquele jeito... Será que a garota deixou de se depilar só porque é lésbica? O que os pêlos têm com isso? Será que ela queria se tornar mais masculina? Não sei... Pensei mil coisas...

Durante todo o processo da tatuagem a garota não disse nada. Reclamou aqui e ali um pouco da dor, mas só isso. Às vezes cochichava algo com a irmã. Mais nada.

Também me mantive calado, me sentindo como se tatuasse o Toni Ramos, ou algo parecido...

Depois de quase quarenta minutos, eis que o nome da namorada estava gravado para sempre na pele da garota. Aliviada, levantou-se, presenteando-me com mais uma triste visão: uma mirrada e caída bundinha, também com alguns pêlos, só para variar...

Terminei os procedimentos, a garota me entregou o cheque e, para fechar com chave de ouro, pegou sua pipa e me deu outro forte aperto de mão... Dizendo:

“—Valeu aí, campeão! Até a próxima!”.

Despedi-me da irmã e ambas se foram.

Rezo a Deus para que aquele visual não se torne moda... Ser gay ou lésbica não significa que é preciso ser desleixado ou descuidado com a própria aparência... Mas, enfim, cada um na sua... E como dizia minha avó: “Uns gostam dos olhos... Outros da remela...”.

2 comentários:

  1. Gostei da história e do seu jeito de contar. Você deve ter muitas histórias, temos que marcar para nos encontras e você contar as suas histórias do universo das tatuagens.

    Ela era filha do Toni Ramos, rs.

    Parabéns pelo blog, Abraços.

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  2. Os hormônios masculinos que algumas mulheres se aplicam, geralmente fazem nascer os tão desejados pêlos no corpo e no rosto.
    A voz também se altera fica mais grossa, como de um homem.
    É peluda porque escolheu assim... como você mesmo diz, pouco importa: desde que tenha os princípios básicos de higiene. Parabéns pelo seu blog, vc escreve muito bem!
    Aniete de Barros Fagundes

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